Há dias, no final do treino da classe juvenil, anunciei a realização para breve, de exames de graduação.
Sabendo que este assunto traz sempre alguma ansiedade aos alunos, apliquei o meu discurso habitual sobre a responsabilidade de uma nova graduação, e a preparação para esta. Salientei que um exame implica uma avaliação e que, para se ser convocado, tem de haver requisitos - assiduidade aos treinos, empenho e evolução técnica, entre outros. Sei que se trata de crianças mas entendo ser importante provocar alguma carga emocional à candidatura a exame para aumentar o grau de responsabilidade e criar a necessidade de trabalhar. Referi também que iria proceder e uma selecção rigorosa dos alunos que seriam submetidos a exame.
No final do treino, depois deste discurso, fui interpelado por um dos pais, ansioso, que iniciou a conversa querendo saber se o filho seria um dos candidatos a exame. Em jeito de atenuante para qualquer falha, acrescentou logo que o seu educando raramente faltava.
Respondi que ainda não tinha elaborado a lista de candidatos e que teria de analisar cada um, e que isso é um processo com alguma demora, mas que, se não fosse desta vez, seria na próxima.
Este episódio deu-me um pouco que pensar. A ansiedade dos exames bem como da sua convocatória aflige mais alguns pais do que os próprios filhos.
Em tempos perdi uma aluna graduada pelo simples facto de ela achar que devia ser sido proposta a exame por de estar já há muito tempo na mesma graduação. Não levou sequer em conta a sua pouca assiduidade devido aos estudos - entendeu apenas que era altura! Sempre dei pouca importância aos "tempos" de graduação. Era uma aluna já adulta, nem estamos a falar de uma criança. Existem aquilo a que chamamos "tempos mínimos" para exame, ou seja, o tempo necessário numa graduação para nos podermos candidatar à seguinte. Isto para mim é apenas indicativo. Tenho alunos que adquirem os conhecimentos técnicos e psicológicos para ascenderem à graduação seguinte antes do tempo, enquanto outros, apesar de terem ultrapassado esse mesmo tempo não completam estes requisitos. O que não é correcto é olharmos apenas ao tempo na graduação. Quando se trata de crianças, as graduações assumem um papel mais importante na sua progressão porque todas ficam ansiosas por "subirem de cinto" - é natural - o que não é saudável e serem sujeitas à pressão da graduação. Compete-nos a nós, educadores, sensibilizá-las e alertá-las para a possibilidade de fracassarem no exame. Deve-se fazê-lo encorajando-as a aplicar-se mais e a tentar mais tarde, caso isso aconteça. O instrutor é a pessoa mais avalizada para seleccionar os candidatos e, acreditem, é uma tarefa que implica muitas avaliações:
- Evolução Técnica
- Evolução Física
- Evolução Psicológica
- Assiduidade
- Empenho e voluntarismo
- MATURIDADE
- HUMILDADE
- PACIÊNCIA
Entre outras...
Coloquei em maiúsculas os três últimos tópicos por uma razão - eles aplicam-se ao jovem karateka mas também aos pais...
Há tempos, falei com um professor das agora chamadas "Escolas de Futebol" que me confidenciava o aumento de inscrições de crianças nesta modalidade. Dizia-me ele que, alguns pais que assistem aos jogos (amigáveis) dos filhos, gritam das bancadas dando ordens, incentivando até à violência só porque o filho sofreu um "toque". Este treinador acabou a nossa conversa dizendo: - Todos os pais julgam ter em casa um Cristiano Ronaldo!
Achei a frase engraçada e transpus este episódio para o Karaté. Constatei que o que se passa com alguns pais é a mesma coisa - estão demasiado confiantes e expectantes referente aos resultados dos filhos não dando a perceber a estes se tolerarão com facilidade o seu fracasso, se ele existir. Isso cria nas crianças um stress e uma pressão enormes e, aquilo que devia ser um prazer, torna-se um pesadelo.
Tive outro aluno que, quando entrava no Dojo para treinar, parecia que ia a uma consulta do dentista. Entrava cabisbaixo, alinhava contrariado e o treino com ele era um calvário - pouco participativo, pouco conversador, triste. Estamos a falar de uma criança com 8 anos. Pedi para falar com o pai e disse-lhe claramente que aquela não era uma actividade que o filho gostava e aconselhei-o a procurar outra que fosse do seu agrado e lhe desse prazer. Como resposta o senhor disse: - Ele tem de aprender Karaté porque é uma coisa útil para ele se defender, faz bem à mente e além disso é bonito.
Olhei para ele um bocado e atirei: - Se tem essa opinião sobre o Karaté porque é que não se inscreve o senhor e deixa a criança fazer o desporto que ela gosta?
Na aula seguinte e nas que se seguiram o rapaz deixou de aparecer. Fiquei a pensar no que teria acontecido - Teria entendido a mensagem que quis passar ou, ofendido com as minhas palavras, foi inscrever o filho noutro Dojo?.
O que quero dizer com este texto é que o Karaté, como qualquer arte marcial ou desporto, deve ser oferecido ás crianças incluído num grupo de outras actividades desportivas. É correcto introduzir o desporto na vida das crianças e muito importante, mas é também correcto deixarmos que sejam elas a escolher o que querem fazer. E se passados uns tempos eles deixarem de gostar do karate e quiserem fazer outra coisa não devem ser forçados a continuar - é uma violência para elas e para o professor que vê a sua energia desperdiçada em alguém que, certamente, vai desistir um dia.
Voltando à temática dos exames - Preparem os filhos para a hipótese de poderem não ser convocados para exame ou, no caso de serem, de falharem neste. Expliquem-lhes que, falhar faz parte de vida. Ensinem-nos a ser tolerantes com o fracasso e empenhados para o sucesso. Não é isto afinal aplicado a tudo nesta vida?