Quando comecei a dar aulas de karaté, em conjunto com a Carla Miranda na "Casa de Os Belenenses de Queluz, tive algumas dúvidas sobre o meu sucesso nessa nova tarefa. As "qualificações" que tinha eram apenas o meu Shodan (1º Dan) e nenhuma experiência de ensino. A Carla manifestava os mesmos receios mas, mesmo assim, lá começámos o trabalho. Os alunos começaram a aparecer e, rapidamente tínhamos a "casa cheia". Lidar com pessoas de várias idades e ensinar-lhes aquilo que tinha acabado de aprender era obra! Nenhuma formação pedagógica nem psicológica e muito pouca formação sobre o mais básico da Educação Física, mas muito boa vontade. Aos poucos comecei a ler sobre o assunto e a tentar aprender a ensinar. Cedo percebi que precisava de me "formar" porque estava a lidar com "matéria prima" frágil e sensível e que, os erros poderiam ser de alguma gravidade. A minha maior preocupação na altura era a prevenção de acidentes que pudessem pôr em risco a saúde e a integridade física dos karatekas, especialmente das crianças. Tudo o que conseguia ler sobre o assunto era pouco. Formação académica na área, não tinha. Apenas podia contar com a experiência de treino o que, convenhamos, era muito pouco. Depressa comecei a gostar de ensinar e depressa percebi que, a ensinar eu aprendia... muito. Comecei a perceber um pouco como funciona a mente das crianças e os exercícios que lhes dava prazer sem os sobrecarregar. Comecei a perceber que o stress é também comum nas crianças e que, muitas vezes, quando chegavam aos treinos iam já tão cansados que não tinham vontade de fazer nada. Ao perceber isto aprendi que não vale a pena insistir em treinos muito técnicos porque não obtinha feed back. comecei a introduzir os jogos que promoviam a dinâmica do movimento e a tentar relacionar esta dinâmica com os movimentos do karaté mas de forma divertida e descontraída. E aprendi com isto. Fiz alguma formação (não tanta como desejava) e tentei aprender com quem realmente sabia. Construí uma classe que me dá muito prazer treinar e da qual me orgulho. Ao ter alunos que comigo começaram a aprender, também eles manifestaram o interesse em ajudar a ensinar. Hoje, disponho de um grupo de graduados que são uma peça chave no sucesso da classe. O simples facto de um novo aluno que entra para a classe ser acolhido de braços abertos por todos - cintos negros, castanhos e todos os outros - e ajudado a passar a fase inicial (lembram-se?) de sermos cintos brancos no meio de um grupo de graduados, faz a diferença. Gosto de ensinar karate e gosto de aprender karate. Tenho, ao longo de minha vida, investido em tempo e dinheiro na minha própria formação e continuarei a fazê-lo... porque gosto... porque adoro ensinar karaté. Tenho alunos hoje homens e mulheres, que comigo começaram ainda crianças. Tenho-lhes uma afeição enorme e quero acreditar que, de alguma forma, terei contribuído para a sua formação. Muitos alunos entram e muitos saem... é normal. Aqueles que ficam são mais que alunos, são amigos de uma vida. Passo com eles grande parte da minha vida, como é que não poderiam fazer parte dela?
Acredito que um instrutor (treinador) de karaté pode e deve ser mais do que isso. Faço questão de introduzir no programa de treinos de karaté actividades educativas que os irão enriquecer bem como a mim próprio.
Acredito na formação do instrutor e penso ser uma peça chave no desempenho da sua actividade. Acredito que podemos fazer um bom trabalho na educação dos jovens e na sua formação tanto desportiva como pessoal e intelectual, é aliás na minha opinião, a nossa obrigação enquanto formadores. Reconheço que hoje, fruto da formação que adquiri, sou melhor treinador do que já fui porque disponho de informação que não tinha quando comecei.
O meu desejo é poder continuar a dar aulas sempre. O karaté proporcionou-me um grupo enorme de amigos entre alunos, familiares, outros instrutores e seus alunos e isso não tem preço. Sou certamente hoje uma pessoa diferente do que seria se não tivesse o privilégio de privar com pessoas excepcionais com as quais partilho o pouco que sei - não há nada de melhor, acreditem!