Sou um dos frquentes utilizadores dos transportes públicos, nomeadamente dos comboios da CP, o que me permite observar as pessoas nas suas deslocações diárias para o emprego, escola etc.
Este é um passatempo que ocupa parte meu curto tempo de viagem para o meu próprio emprego.
Há um tempo a esta parte dou comigo a observar o número de pessoas que se deslocam com headphones (mais conhecidos por "fones") enfiados nos ouvidos. Esta era uma prática exclusiva dos jovens mas que agora se estendeu a gente de todas as idades e estratos sociais. Conjuntamente com este fenómeno aparece a distribuição gratuita de pequenos jornais diarios.
Em tempos passados, durante as viagens assistiamos a pessoas a conversarem, as senhoras faziam o seu crochet ou alguma peça de malha e ocasionalmente lia-se um livro, mas havia alguma actividade sonora que dava um colorido interessante á nossa curta viagem. Agora não... de headphones enfiados nos ouvidos e a cabeça caída sobre o jornal, cada um enfia-se no seu mundo e entra numa abstracção completa do outro mundo que o rodeia. Deixou de haver comunicação. O único ruído audível é o do rodar cadenciado do comboio sobre os carris e os anúncios monocórdicos das chegadas á estação emitidos pelos altifalantes.
O passageiro conversador e educado deu lugar ao individuo triste e fechado que faz a viagem parecer, com as devidas diferenças, gado em viagem para o matadouro.
Tento vislumbrar uma justificação para esta mudança - a crise económica que atravessamos? O aumento da insegurança? A precaridade de emprego? - seja o que for está a transformar-nos em máquinas insensíveis e frias onde a comunicação se desvanece.
O comboio pára e a multidão sai. Eu saio com ela e observo mais uma vez o "rebanho" que se dirige para a saída, e eu estou lá. De relance olho a minha imagem reflectida no vidro de um placard e vejo a minha expressão igual á deles embora tenha um emprego com alguma estabilidade, embora tenha tempo para fazer o desporto que gosto, embora tenha uma familia excelente...
Como é que ocupo o tempo da viagem para o emprego? Coloco os headphones nos ouvidos e passo os olhos pelo jornal gratuito como gratuita é a violência que ele relata e crua é a pobreza que afecta muitos de nós. Para não me deprimir concentro-me na música que entra pelos meus ouvidos e aguardo a chegada á estação. Vai continuar a haver violência, corrupção, fome e desemprego mas não posso dar-me ao luxo de pensar nisso embora o deva fazer... a vida electrizante que levamos consome-nos a um ritmo elevado e não o percebemos... talvez quando for tarde de mais!
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